UMA CANÇÃO clássicos e contemporâneos
editores:
Marcos Lacerda & Alexandre Marzullo
Tudo Tudo Tudo Tudo (2017), César Lacerda
por Marcos Lacerda
César Lacerda e o aprendizado do afeto
Eu demorei um pouco para entender a trama, a transa, a coisa toda do César Lacerda. Entender não, compreender. A compreensão exige a presença do afeto como parte vital da apreciação estética. E tudo em César Lacerda, a sua grande música, o modo como se expressa, a forma como fala e atua, tudo envolve afeto e e ternura. A pessoa começa a gostar das suas canções, a sabê-las o sentido no momento em que se entrega às suas modulações, às belas melodias, ao cheiro e sabor das palavras. Mas não só isso. É fundamental saber envolver as melodias e palavras com o domínio do afeto, saber sentir a muito bem destilada sensibilidade do compositor mineiro.
Veja um disco como Tudo Tudo Tudo Tudo (2017), com este título em que uma palavra vai se repetindo e gerando algo como um som de tambor, uma pulsão ritmica doce e fraterna. A canção homônima é exatamente isso: doce e fraterna. Trata-se de um chamado para a calmaria, a paciência, como um afago, um carinho mesmo. É disso que se trata, César Lacerda quer nos envolver nas suas canções, como se estivesse nos dando a possibilidade de uma compreensão mais cuidadosa, paciente, delicada das coisas e do mundo. Deixando, sutilmente, uma brecha, um filete de luz, um delicadíssimo modo de olhar, um gesto ou expressão no rosto. Veja um clipe como “Felicidade é só querer” (2019), está tudo ali. Mas veja também um dos seus primeiros vídeos, “Heroi” (2014), também está tudo ali. César Lacerda é muito mais o artista da atenção flutuante do que da atenção concentrada. Não adianta se demorar para tentar descobrir códigos e conceitos. É preciso ter uma postura que permita saber sentir as suas canções, que podem, de repente, nos tomar de todo, nos enlaçar, encher de uma desejo de vida os cantos da nossa casa, das ruas da cidade, da nossa alma, que antes pareciam opacos e vazios. Tudo num segundo, de relance, sempre de forma inesperada, por vezes, até mesmo imperceptível.
Ouça Tudo Tudo Tudo Tudo, de César Lacerda
